sábado, 7 de agosto de 2010

DE LEIToR!

Lia. Relia. Lia com veemência, relia contrariando a fugacidade dos próprios aspectos cognitivos que não lhe concediam o saber. Mal sabia que o suprassumo era sentir. Repentinamente se desconfiou metaforizado no texto. Num primeiro momento com sutileza, mas após algumas poucas páginas se encontrava perdido. Já não tinha mais a convicção de ser leitor (o ser que lia e relia). Tentou encerrar a leitura, mas não haviam pontos à vista, nem à curto prazo. Somente umas reticências que não lhe diminuíam a aflição. Aqui e acolá alguma vírgula lhe suscitava uma breve, mas vital tomada de fôlego. Tinha indagações, mas não havia tempo para respondê-las. Perguntava-se por quem havia sido escrito. Tinha medo do posfácio (seria o fim de tudo? Ou haveria uma sobrevida na contracapa?). Atordoado, tentou levantar-se e derrubou o acento. Cometeu um grave erro ortográfico e sentiu-se culpado. Depois se eximiu da culpa, pois deveria ela pertencer ao ser que o escreveu. Ao pensar assim sentiu-se lido por outrem. Sua privacidade fora violada. Sentiu nas páginas, cálidas, uns dedos pesados que afagavam-lhe as letras. Uma saliva alheia lhe umedecia as extremidades a cada folheamento. Abria-se e fechava-se, e a cada intersecção era devorado por olhos vorazes. Procurou nas entrelinhas uma explicação, mas nada encontrou. Então olhou para fora de si e perguntou: QUE FAZ AQUI ?

(Juliano Beck)

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Genial!....

    Texto forte, ritmado e repleto de sintonia entre uma frase e outra. E digo mais: Humano, exageradamente humano.

    Beijos Meus

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  3. Eu sou o que escrevo, o versejar me lê, me desenha?

    Ótimo texto!

    Beijo.

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